Não sei se admiro ou se sinto pena de quem consegue superar o luto, consegue levar a vida apesar da morte das pessoas e seres que amamos. E falo isso, pois ao mesmo tempo que não aguento mais sentir tanta dor de perder quem amo, ao mesmo tempo queria poder ser mais forte e domar essa dor, fazê-la cessar antes mesmo dela brotar. Por outro lado, é impossível não sentir e não se entregar para essa mistura de sentimentos, pra essa confusão de passado e realidade que é a morte vivida por quem fica.
Vivenciar a morte de outro, é reviver o passado, o que foi compartilhado, é trazer esse passado para o hoje e torná-lo ainda mais próximo de quem você é no agora. Vivenciar a morte do outro é antes transformar tudo que já havia tido sentido junto com esse outro, em algo que além de ser revisitado é ressignificado, é tranformar o que foi de modo ainda mais transparecente ao estabelecer o nexo entre o que foi adquirido e o que está sendo transformado.
Queria verdadeiramente abandonar o sentimento de luto, pelo menos por alguns anos... se será possível? Acredito que não. Porque o luto, ele vai se esvaindo, como uma vela que vai acabando aos pouquinhos... mas ele não acaba por completo. Da mesma forma que a vela, o luto deixa rastros, deixa aquele resto de cera que marca que a vela esteve ali e esteve acesa. Os rastros do luto se transformam em saudades, mas não somem. Os rastros do luto são rastros da perda, são rastros daquela pessoa que estava ali e agora não está mais, são os rastros da vida compartilhada. Os rastros do luto não somem, eles permanecem e te formam, te reformam, te transformam a cada vez que são revisitados e compartilhados nas lembranças. O luto reescreve o momento passado e o presente junto com a morte presenciada. Se a morte não pode ser vivida por qualquer outro além da própria pessoa que morreu, o rastro do luto também não o pode, pois o que foi escrito na vivência é na convivência foi único e intransferível, e continua sendo a cada recordação e sentimento revivido por quem ainda permanece no mundo compartilhado.
Morte e rastros do luto são dores, saudades, sentimentos, lembranças vividas no passado e no agora. Eles, morte e rastros do luto são a comunhão entre o que o mundo tomou de volta para si e o que ele quer que seja mais uma vez reconstruído e renovado. Como fazê-lo? Apenas honrando e amando tudo que foi vivido, tudo que foi compartilhado. Não há outra forma.
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