"PALAVRAS NÃO SÃO A ÚNICA MANEIRA DE SE DIZER ÀS PESSOAS O QUE SE QUER DIZER."

27 agosto, 2010

A Filosofia pensa o Humano? (cont.)

Tentarei nas próximas linhas, elucidar as dúvidas do Bruno - comentário do texto anterior.

Pois bem, a questão aqui não é o pensar a arte pela arte, e nem produzir por produzir um artefacto; o caso aqui é que o humano necessita fazer, produzir, conhecer, expressar. Ele está a todo momento se autoconstruindo, se afirmando, se singularizando, buscando sua autenticidade - são várias as terminologias usadas pelo filósofos durante a história da filosofia. Resumindo, poderia definir o ser humano como  "homo faber", ele faz coisas, mas o faz por e para algo, faz pois deseja, quer, e principalmente projecta a sua vida em meio aos múltiplos desejos, características que nos levam a dizer que em tudo que o homem faz  encontra-se ali a intencionalidade . Obviamente que criar e produzir são diferentes de actuar, e estas ações também  dependem de aspectos do acaso, afinal a pólvora foi criada por acaso, mas só aplicada muito mais tarde, não? Entendo aqui actuar como um simplesmente acontecer, andar, ou uma pedra cair, ao passo que criar e produzir (no sentido moderno-contemporâneo) depende de uma inteligência ou mentalidade técnica, ou seja, uma maneira de pensar que foi introduzida no humano através do produzir e fazer técnico.  Lembrando que os gregos nomeavam os artefactos técnicos/ utilitários e os artísticos através da mesma palavra: TECHNE.

Essa exposição inicial foi necessária para afirmar que não há arte sem sentimento ou expressão de algo - interpretação do mundo- se não existisse essas duas características na arte, produzir um quadro seria como produzir um carro nas linhas de produção, e essa não é a ideia da arte. O homem produz arte e artefactos porque possuem um objetivo com elas: os artefactos técnicos são por excelência uma intervenção no mundo, mas essa intervenção possui como finalidade a busca pelo bem-estar do homem, facilitando a supressão de suas necessidades. Mas não só isso, o homem ama produzir  (conhecimento, arte, objetos), caso contrário o que seria de nosso existir se vivêssemos para nos alimentar e dormir? Pra que buscamos conhecer se não amassemos conhecer? É nossa essência conhecer, agir, e produzir. E a arte em si requer sentimento, interpretação, sensibilidade, e passar tais aspectos é o objetivo dela em si mesma.

Quanto a pensar o Humano sem atribuir o aspecto humano ao humano, posso dizer que ao se perguntar se isso é possível, já estás se autoafirmando como humano. É impossível pensar-nos sem algo que já nos caracteriza a priori. Qualquer intervenção que pensarmos estar fazendo em nossa humanidade, tentando ir contra ela, na verdade estaremos afirmando-a, pois estaremos exercitando o nosso desejo de mudar, criar, construir, aprender, conhecer, expressar, etc..

Respondi?

25 agosto, 2010

A Filosofia pensa o Humano?

Estive pensando hoje, durante a tarde, enquanto lia Ortega y Gasset, e cheguei a uma conclusão um tanto engraçada e simplória: como filósofa sou apaixonada pelo o que é Humano, assim como os engenheiros pelos artefatos técnicos, os físicos pelos fenômenos do universo, os sociólogos pelos fenômenos sociais, os biologos pelas seres da natureza, os artistas pelos objetos artistícos, etc.. Mas há algo em comum em tudas essas paixões, todos são apaixonados pela criação, criação humana ou divina, mas entregue à força do acaso e da contingência.

No fundo quando a Filosofia pensa a natureza, ela está pensando como é a visão humana da natureza e não ela mesma; quando a Filosofia pensa a arte, está pensando como é a visão humana da arte e não ela mesma; quando a Filosofia pensa a técnica, está pensando a visão humana sobre a técnica e não ela mesma, quando a Filosofia pensa a ciência, está pensando a visão humana sobre a ciência e não ela mesma; e assim por diante. Mas e quando a Filosofia pensa o Humano, pois bem, ela está pensando a visão que nós humanos temos de nós mesmos, isso não parece óbvio? Não?



11 julho, 2010

E o mundo das maravilhas de Alice, é de fato um mundo verdadeiramente encantado?

 
Por: Vanessa Delazeri Mocellin
Florianópolis, 30 de Junho de 2010.

A idéia deste pequeno ensaio surgiu por ocasião do lançamento do filme “Alice no país das maravilhas” de Tim Burton, em meio a todo o alvoroço de mais uma super produção e a dificuldade de se conseguir até mesmo ingressos para o mesmo dia, afinal, comentavam as garotas na fila, o Johnny Depp deve estar lindo no filme! Foi minha insistência e paciência que me jogou dentro de uma sala lotada — não havia uma poltrona vazia — e na qual poderia reviver uma grande emoção relembrando um conto infantil que havia me marcado muito na minha própria infância — jamais pude esquecer-me daquela menininha que caiu no buraco do coelho e que também atravessou o espelho...
Tentarei, mesmo que fugindo de todo o academicismo esperado, escrever de forma livre e até mesmo mais sintética do que gostaria, e tomar a obra pela obra, o estilo nonsense, pelo estilo, e apenas por ele. Fugindo das considerações históricas sobre o autor Lewis Carroll, e principalmente de outras interpretações, psicanalíticas ou não, dos símbolos contidos na obra. Usarei também algumas considerações do filme, visto ter sido ele que me despertou novamente o desejo de desvendar os segredos de Alice.
Como qualquer espectador de uma obra, é difícil fugir da minha condição de espectador e principalmente de fugir da condição de ente lançado no mundo metafísico, ou seja, de alguém que vive e convive com todas as técnicas empregadas em todas as situações, ou seja, em meio à maquinação e a vivência, usando as palavras de Martin Heidegger em “Aportes a la Filosofía – Acerda Del Evento”. Estas — a maquinação e a vivência — são a expressão mais gritante do que Platão construiu com o seu mundo das idéias, transformando a natureza e o mundo em coisas, ou seja, coisificando-as, e, portanto, em metafísica; e da apropriação disso feita pelo cristianismo com seu Deus criador e o advento da ciência moderna, transformaram o homem em também criador de entes. De fato, sei que usar uma representação como um filme ou um “conto-livro”, infantil e clássico, que leva às salas de cinema milhões, mesmo sem este público ter nenhuma noção do que veria na tela, é também estar no paradigma da metafísica que Heidegger insiste em dizer que deve ser superado para a implantação de um novo começo. Digo isso, porque muitos esperavam ver apenas uma super-replicação-cheia-de-efeitos-especiais, não que o filme não seja de fato cheio de efeitos especiais, mas será que ninguém se lembrava daquela garotinha muito curiosa e que apesar de achar tudo muito estranho no mundo das maravilhas, ainda assim estava ali para descobrir o novo? Será que ninguém sairia correndo atraído pelo coelho, e não apenas por impulso, mas por decisão se jogaria no buraco no qual ele entrara? Será que alguém ao menos se questionaria sobre o porquê estava ali para assistir o filme, claro ressaltando outro motivo que não o fato de ser uma superprodução cinematográfica?
Pois bem, é esta passagem, a entrada na toca do coelho, que aqui é o mais importante. A passagem para o desconhecido. A coragem de sair do mundo cheio de representações, marcado pela técnica moderna, e caminhar para o total desconhecido. Essa passagem que também poderia ser feita com o questionamento do porque não se questiona o fato de estar ali para assistir uma superprodução, ou seja, questionando a falta de questionamento. Mas, o que será que a pequena Alice sentiu ao se deparar com aquela sala cheia de portas, com uma pequena chave que apenas abria uma porta muito menor do que ela, com a bebida de crescer e o bolinho de encolher?   Poderia responder através da lembrança de uma passagem do texto, no qual suas lágrimas diante da impossibilidade de passar pela portinhola — a passagem da sala ao belíssimo jardim — alagaram a sala onde Alice estava, que ela sentiu temor, medo, e ao mesmo tempo sentiu admiração e espanto. Alice estava no limiar entre o novo começo e a velha metafísica. A pequena Alice não poderia saber o quão importante aquela situação poderia ser para o entendimento do próprio seer, afinal como saber algo sobre o total desconhecido? Se por um instante Alice segue o coelho por causa do encanto que lhe causou, e a possibilidade da vivência, noutro Alice salta, salta para um mundo ainda mais encantado do que o dela, um mundo carregado de surpresas e inesperadas revelações, um mundo no qual o sagrado está presente até nos detalhes, ações e pensamentos, um lugar no qual o silencio é também sagrado, mas o resto todo também.
Alice caminha no limiar entre a Metafísica e o Novo começo, ela olha para dentro do buraco do coelho, ela está admirada pela coelho de colete e relógio, mas esse olhar é o instante que separa e propulsiona aquela menininha para a possibilidade do novo começo. Óbvio que ela ainda está carregada de ambigüidade, afinal houve uma passagem, e essa passagem não se dá subitamente, pois a violência do novo começo só pode ser o anunciar de um último deus, e não uma violência como a maquinação que domina.  
Então se pode dizer que Alice salta a procura de algo que desconhece e que lhe causa temor e espanto. Alice entra no mundo das maravilhas, que é realmente encantado, mas ele é encantado porque já não é mais aquele mundo da metafísica onde tudo era dominado pelo próprio homem e sua “techne”, ali no mundo das maravilhas Alice estava à mercê do inesperado e do incomum, mas que podia ser alimentado pela pergunta tão súbita e irrespondível de maneira desveladora se posta no mundo da metafísica, a pergunta sobre quem de fato ela era: Alice se pergunta sobre quem ela é após crescer e diminuir, pensa que mudou, que se transformou em outra pessoa, uma de suas amiguinhas: Quem eu sou? Mas, Alice é questionada sobre quem de fato ela é ao se deparar com a lagarta azul que fumava narguilê: Quem é você pergunta a lagarta! Ela confusa não sabe responder! Reclama de suas mudanças, e de seu tamanho. Reclama por não estar acostumada com o inesperado. Mas, afinal quem está? Se acostumar com o inesperado é maquinação e vivência! Mas, se acostumar com as mudanças, por entender o que é transitório é chegar ao seer.
Para a pequenina lagarta a transformação era algo muito comum e fácil de ser compreendida: se doar a uma nova verdade mais profunda e reveladora não assustava em nada a lagarta, mas atormentava Alice.  Ela não sabia mais quem era, mas no momento, imersa na metafísica se preocupava com seu tamanho. Ela não sabia que não era dessa simples mudança de tamanho que a lagarta estava questionando! Ser pequena ou grande no sentido ôntico não cabia ali, o importante era ser grande, mas no sentido do seer, e para isso era necessário responder a pergunta: Quem eu sou?
Alice deveria entender os elementos do novo começo ali situados, para entender que ao final dessa aventura situada no entre de dois começos, num que estava por fim e outro no iniciar, que ela estaria diante de um silenciar do ente que ressoa no seer e o desperta como o mais fundamental. E Alice vai continuar a se perguntar pelo quem é: essa pergunta é a grande abertura para o seer se expor, ou melhor, para que se possa apontar para uma verdade do seer. Do mundo das maravilhas, aquela menininha sairá ciente do novo começo, mas ainda com o risco de cair no mundo metafísico. Mas antes do término de suas aventuras, ela aprenderá diante das duas rainhas, a branca e a vermelha, os dois pontos contrários dos começos: o primeiro começo, ou a rainha vermelha é a dominação e a fundação do ente; e o novo começo, ou a rainha branca, é a fundação do seer que entende a ambigüidade entre mundo e terra. O grande chapeleiro é a própria ambigüidade, que se perde no tempo e se configura como o amor, mas que sabe apontar para o sagrado, pois já o experimentou. O chapeleiro perde as estribeiras exatamente por vivenciar a maquinação no mundo do sagrado.
Esses elementos, aqui pincelados, para não me estender demais, levam Alice para o dia Fabuloso, dia este em que ela saberá o que é o sagrado, e entenderá a dualidade do primeiro e do novo começo, que ainda misturados devem travar uma batalha dificílima, mas que terá como vencedor o último deus. Alice mata o Deus cristão, e como premiação recebe da rainha branca um pouco de seu sangue, e este a levará para onde desejar, ou melhor, lhe dará o que quiser. Mas o que querer? Mas o que desejar? O novo começo não é isento de desejos? Talvez não o seja! Não sabemos! E Alice toma o sangue e deseja retornar a sua casa, para decidir sobre o que havia deixado para trás. Alice decide, e decide pela abertura ao novo começo, decide ficar próxima ao mundo das maravilhas, e chegar ao que a ciência chamou de impossível. Alice abre as portas para encontrar e alimentar em si o sagrado. Alice inicia o novo começo em busca do último deus. Ela caminha rumo ao desconhecido, temendo, mas não se deixando dominar: Alice vive o verdadeiro encantamento do mundo das maravilhas! Alice vive o verdadeiro encantamento do mundo das maravilhas que é direcionado ao questionamento do seer. Alice se põe a procura pelo mais fundamental que pode responder a pergunta “Quem eu sou?” ou “Quem é Você?”, e essa resposta ela descobriu no mundo das maravilhas: o seer, e não simplesmente o ente.