"PALAVRAS NÃO SÃO A ÚNICA MANEIRA DE SE DIZER ÀS PESSOAS O QUE SE QUER DIZER."

17 maio, 2024

A morte e os rastros do luto

Confesso, ando cansada de só escrever sobre luto, dores... mas o luto parece não querer me deixar em paz. Não sei se a causa seja pela idade que avança, com as pessoas ao meu redor envelhecendo, tornando assim o luto presente constantemente. Ou se a gente, conforme envelhece, amadurece, ressignifica a presença das pessoas, percebe as pessoas de uma forma mais total em nossa vida, fazendo com que assim o luto se torne mais pesado também. 
Não sei se admiro ou se sinto pena de quem consegue superar o luto, consegue levar a vida apesar da morte das pessoas e seres que amamos. E falo isso, pois ao mesmo tempo que não aguento mais sentir tanta dor de perder quem amo, ao mesmo tempo queria poder ser mais forte e domar essa dor, fazê-la cessar antes mesmo dela brotar. Por outro lado, é  impossível não sentir e não se entregar para essa mistura de sentimentos, pra essa confusão de passado e realidade que é  a morte vivida por quem fica.

 Vivenciar a morte de outro, é  reviver o passado, o que foi compartilhado, é  trazer esse passado para o hoje e torná-lo ainda mais próximo de quem você é  no agora. Vivenciar a morte do outro é antes transformar tudo que já havia tido sentido junto com esse outro, em algo que além de ser revisitado é  ressignificado, é tranformar o que foi de modo ainda mais transparecente ao  estabelecer o nexo entre o que foi adquirido e o que está sendo transformado. 

Queria verdadeiramente abandonar o sentimento de luto, pelo menos por alguns anos... se será possível? Acredito que não. Porque o luto, ele vai se esvaindo, como uma vela que vai acabando aos pouquinhos... mas ele não acaba por completo. Da mesma forma que a vela, o luto deixa rastros, deixa aquele resto de cera que marca que a vela esteve ali e esteve acesa. Os rastros do luto se transformam em saudades, mas não somem. Os rastros do luto são rastros da perda, são rastros daquela pessoa que estava ali e agora não está mais, são os rastros da vida compartilhada. Os rastros do luto não somem, eles permanecem e te formam, te reformam, te transformam a cada vez que são revisitados e compartilhados nas lembranças. O luto  reescreve o momento passado e o presente junto com a morte presenciada. Se a morte não pode ser vivida por qualquer outro além da própria pessoa que morreu,  o rastro do luto também não o pode, pois o que foi escrito na vivência é na convivência foi único e intransferível, e continua sendo a cada recordação e sentimento revivido por quem ainda permanece no mundo compartilhado. 

Morte e rastros do luto são dores, saudades, sentimentos, lembranças vividas no passado e no agora. Eles, morte e rastros do luto são a comunhão entre o que o mundo tomou de volta para si e o que ele quer que seja mais uma vez reconstruído  e renovado. Como fazê-lo? Apenas honrando e amando tudo que foi vivido, tudo que foi compartilhado. Não há outra forma. 

16 maio, 2024

despedida da Tia Meire

Hoje é  um dia muito triste para a nossa família. Tia Meire morreu, assim sem mais, simplesmente partiu. Ela tinha diabetes, estava desregulada, mas nunca imaginei que isso a levaria tão rápido. Estou arrasada, mais uma vez passando por um luto. Não entendo o motivo de Deus sempre levar as pessoas boas embora antes. 

A Meire tinha um coração enorme. Me cativou desde o primeiro momento que a conheci, quando eu tinha lá meu 11 anos. Ela sempre foi muito carinhosa e amorosa, sempre com sorriso no rosto fazendo os demais sorrir também. 


Vou sempre me lembrar da primeira vez que ela foi lá em casa. Ela, o Tio Nereu e a Brayla, essa ainda um neném de colo. Eles foram pra lá para serem meus padrinhos de crisma. Mas dessa lembrança, uma das mais bonitas, é  a de banho de bacia na Brayla. Estávamos eu, a Tia Meire e minha mãe cuidando da Brayla pequenininha, e ela precisava tomar banho, então a gente improvisou um banho pra ela numa bacia. Foi um momento divertido, amoroso e único que guardei com todo o amor no meu coração. E agora, ressiguificado de saudades...

Por conta da pandeia,  do doutorado, do trabalho, estou sem ver a Tia Meire e o tio Nereu desde 2019. Fim de 2023, quando acreditei que a gente fosse se reencontrar, só houve desencontros e eu não pude a ver. Queria tanto ter dado um abraço carinhoso nela, antes dela partir ...  ter sentido um pouco mais daquele carinho que só  ela sabia dar... Essa dor do luto é  tão cruel, estar longe das pessoas que amamos nesses momentos é  terrivelmente cruel... Queria ter a sabedoria de compreender e aceitar melhor a morte de pessoas que amo... queria conseguir compreender esse processo como parte da natureza e do processo vital do mundo... mas mesmo tentando pensar assim, não consigo sentir assim. Sei que morrer é  inevitável, mas porque alguns morrem tão jovens? Por que  sempre os bons partem antes? Por que  a morte nos dá lições  tão pesadas na vida?

Falei com ela por telefone a última vez  dia 05/05/2024, uma conversa sobre as cheias no Rio Grande do Sul. É como se eu pudesse ainda ouvir a sua voz... é  inacreditável que passados apenas 11 dias daquela conversa, eu receba hoje a notícia de sua morte.  Assim, sem mais, ela simplesmente partiu, durante uma noite de outono...  é  inacreditável o quanto a morte e o tempo são implacáveis... 

Tia Meire, onde quer que você esteja, saiba que te amo muito. Saiba que olharei pelas meninas com o mesmo carinho que você olhou por mim. Sentirei muitas saudades! Muitas saudades...